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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Femen inventa a moda do feminismo machista



Dez e meia da matina e os jornalistas já se aglutinavam na porta do metrô Château Rouge. O bairro, conhecido pela concentração de imigrantes africanos, vive lotado e o movimento de lentes e microfones foi logo notado.
- O que vai acontecer? é manifestação?
- São as ucranianas do Femen.
-Ah, são umas que tiram a roupa? (pausa para a malícia) Vou ficar pra ver.
A reação é esperada. É com esse apelo que as meninas do Femen contam. “Não interessa porque eles olham. O importante é chamar a atenção”, diz Eloïse Bouton. Mas as frases pintadas pelo corpo parecem só servir para uma coisa: atrapalhar a apreciação sedenta dos machões.
Já passa das 11h quando as meninas chegam. Tiram as jaquetas e camisetas e descem a rua gritando “O Femen é o novo-feminismo”, “peladas e vencedoras”, “Liberdade, nudez” e por aí vai. Diferente do braço brasileiro, a turma francesa é até que bem colorida. Tem orientais, negras, árabes. Mas a comissão de frente é loira.
Além das poses pras câmeras e das gargalhadas dignas de propaganda de pasta de dente uma motosserra arrematou o fetichismo dessa manhã. Na porta da associação, a representante ucraniana Inna Shevchenko usou a ferramenta para arrebentar com duas ripas de madeira que travavam a porta do teatro Lavoir Moderne de Paris, que – reza a lenda – foi emprestado ao grupo.


Uma legião de homens vinha atrás. Lembrou os episódios em que a mulher Pêra aparece no centro de São Paulo pra fazer campanha política. Alguém pergunta sobre plano de governo?
Nada contra peitinhos à l’air. O problema é o gosto de mercadoria. Nada contra a motosserra, se a loiraça não pintasse sozinha uma cena tarantinesca. A questão também não é o termo “a-político”, mas a fraqueza do discurso pró-mulher; nem “neofeminismo”, desde que algo fosse proposto em relação aos “outros feminismos”.
Segundo Inna, a nudez plástica – que parece um grande clichê e um reforço caliente aos velhos hábitos machistas da sociedade – tem como objetivo mudar o olhar das pessoas sobre o corpo das mulheres. Na coletiva de Imprensa, ela diz que o negócio é ação. Que há muito blablabla e ninguém age. A ucraniana de 22 anos diz que o grupo vai montar um “exército nu” para “renovar o feminismo francês”. “Queremos parecer femininas e  ainda dizer algo”. De acordo com a ala francesa do movimento, “nós precisamos disso”. Eu acho que não.
Em uma entrevista ao Libération, jornal de esquerda na França, Inna sintetiza o pensamento do movimento: “queremos mostrar que as feministas não são velhas mulheres escondidas atrás de seus livros”. Simô de Bouvoir vomitou onde quer que esteja, Frida arrancou o bigode com a mão e eu deixei o meu crescer só de raiva.
Quando nesse mundo um movimento se fez sozinho, sem o auxílio de uma boa reflexão? Vamos começar a confundir movimento social, reivindicação, com viral de publicidade?
Em São Paulo, por exemplo, o pessoal do Banco Mundial da Genitália tá convidando uma galera a tirar a roupa para mostrar que orgão sexual não é bicho de sete cabeças. O discurso e as fotos são taxados de “agressivos”. Os três artistas envolvidos têm espalhado pela cidade cabines para fotografar a genitália alheia e assim, instigar a quebra dos tabus que rondam esse amontoado de pelos, pele e suas deliciosas terminações nervosas. O trio tem discurso, embasamento e a genitália fotografada nem precisa ser "bonitinha".
Já o Femen anuncia em Paris um centro de formação moral e física de soldadas da nudez. Recentemente, a ex-ativista Bruna Themis declarou ao Opera Mundi que o movimento não tem demandas políticas e ainda rejeita mulheres acima do peso. “O movimento no Brasil está sem propostas, sem perspectivas, sem embasamento teórico. O Femen Brazil está perdido, sem rumo algum”.
O que disse a Bruna deu pra desconfiar antes. E ver durante e depois. As demandas são mal delimitadas e têm a cara das propostas de governo russomânnicas: voz doce, sorrisinho de bom samaritano e zero conteúdo.
Quando jornalista aperta, o bicho pega. As ativistas que nunca se envolveram nem com política de bairro tremem na base se precisam entrar no assunto. Os olhinhos começam logo a buscar outro repórter, menos arteiro, pra salvá-las dali. No final, umas dizem que o movimento é completamente apolítico. Outras garantem que política tem tudo a ver e que quem oferecer apoio às causas (?) do Femen terá também o apoio da – agora oficial – associação. Um desencontro.
No Brasil, ou Brazil, já que falamos do Femen, Sara Winter – que seria simpatizante do marido exemplar que foi Hitler –  não se envolve em política. Mas seu assessor é candidato a vereador pelo PMN, em Santo André e cita o Femen como uma de suas atividades militantes.
No fim, mais importante do que entender o que realmente é (ou não é) o Femen é lutar contra a ideia de grife que esse “neo-feminismo” impõe. As mesmas frases. As mesmas flores no cabelo. O mesmo tipo físico. O Femen esvazia anos de militância, reflexão e resistência e reduz tudo a meia hora de show pra adultos.

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